A Justiça Estadual deve apurar um caso em que um Pai de Santo, sofreu uma ação preconceituosa por parte da equipe da Prefeitura de São Roque.
O autor da denúncia, Yuri Ducca, relata que sofreu preconceito após solicitar autorização para ser realizado um evento religioso de matriz africana. O evento tinha objetivo de desmistificar a figura de Exu.
“Enviei à prefeitura de São Roque um pedido para que meu evento pudesse ser feito, expliquei como seria realizado e o local onde desejava fazê-lo e tudo mais”, contou Yuri Ducca, dirigente do “Abassá de Ogum e Oxum”
De modo gratuito com arrecadação de alimentos, o evento foi realizado no dia 10 de julho no estacionamento ao lado de um dos cemitérios da cidade, utilizada para que visitantes do velório municipal e cemitério parem seus veículos. Além disso, foi solicitado também auxílio de segurança pública e a possível disponibilização de estrutura. Intitulado “1º Encontro de Exus e Pombo Giras – Exu não é o Diabo”, a cerimônia contaria com nomes bastante conhecidos que combatem a intolerância religiosa no estado.
Em resposta, o Departamento Jurídico da prefeitura de São Roque indeferiu o pedido (Não aceitou), com base no artigo 19 da Constituição Federal:
“Nesse contexto, podemos aferir que a vedação imposta pelo texto constitucional, é exatamente de subvencionar eventos e cultos religiosos, pois o espaço público pode ser utilizado por estas mesmas entidades religiosas, desde que destinada às ações sociais […] Nesse sentido, o exercício de atividade religiosa nos imóveis públicos encontra vedação constitucional conforme transcrito acima”.
Por fim, conforme as informações, mesmo sem o apoio do Executivo Municipal, foi realizado o evento no local e existiram denúncias que fizeram com que Guardas Municipais fossem até o local. Porém, ao concluírem que nada estava sendo feito de forma ilegal, até mesmo com a presença de um vereador na celebração, não impediram a continuidade.
Marcha da Paz
Dois meses depois, o Poder Municipal apoia um evento nitidamente de cunho religioso realizado pelo Conselho de Pastores de São Roque. No último sábado (26), foi realizada na cidade a “Marcha da Paz”, onde foi feita a concentração do público em uma praça pública, com fechamento de vias — obstruindo o trafego na região central — para a marcha e um show gospel, em outro recinto. No cartaz de divulgação, o ‘apoio da Prefeitura’. Em uma breve pesquisa, constata-se que tal realização já havia sido divulgada no calendário oficial de eventos de 2023, divulgado no próprio site do Executivo são-roquense.
Em sua página pessoal nas redes sociais, o prefeito de São Roque, Guto Issa, registrou sua presença na ‘marcha’ com fotos e os dizeres:
“Em um mundo que às vezes parece cheio de divisões, precisamos nos unir para promover a harmonia e a paz mundial. Lado a lado, seguimos celebrando e reafirmando nosso compromisso com o futuro mais tranquilo para esse e para as futuras gerações. Afinal, somos todos irmãos”.
Preconceito
Ao ter ciência de que outro evento religioso iria ser feito em local público da cidade e que teria o apoio da prefeitura, Yuri se manifestou, por vídeo, pelas redes sociais, com indignação e questionando as autoridades competentes do porquê a sua celebração não teve essa autorização e apoio. Esse mesmo vídeo foi compartilhado em grupos de WhatsApp de forma preconceituosa e intolerante.
Em um deles, chamado de ‘Mensageiros jovens’, uma mulher diz: “depois do vídeo acima, você tem dúvidas se vão atender a nossa convocação para nos unir para marchar nesse sábado? Vamos marchar, Jesus está vivo”. Logo após, outra ressalta:
“por isso precisamos estar juntos como um corpo e declarar que São Roque é do Senhor”.
Após todos os fatos, Yuri afirmou que protocolou denúncia na Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, como caso de intolerância religiosa em que foi vítima diante de todo o cenário.
A redação entrou em contato com o deputado estadual do Rio, Átila Nunes, advogado e grande defensor da liberdade religiosa no país. Ao ter conhecimento do episódio e dos documentos relacionados a ele, informou que, nos próximos dias, entrará com uma representação de improbidade administrativa contra o prefeito de São Roque, Guto Issa, no Ministério Público do Estado de São Paulo.
Nota de Repúdio da Federação das Religiões Afro-brasileiras (AFROBRAS)
O presidente da Federação das Religiões Afro-brasileiras (AFROBRAS), José Antonio Salvador, enviou nota de repúdio pelo fato. “Recentemente tivemos a notícia do acontecido na cidade de São Roque. Em mais este momento triste para as religiões afro-brasileiras, sofremos com a discriminação religiosa. No caso em rela, o Babalorixá Yuri de Ogum solicitou apoio daquele município, para a realização do evento importante para a religiosidade de matriz africana, tendo sido negado o referido apoio. No que pese esta Federação, não ter em mãos o documento que negou apoio à realização do evento contra a intolerância religiosa citada, temos que, é corriqueiro no Brasil afora a ocorrência dessas atitudes inaceitáveis. Mormente pelo Poder Público que deveria apoiar todas as manifestações religiosas, independente da Fé preconizada. O Estado brasileiro é laico, sendo vedado ao Poder Público embaraçar as manifestações religiosas, sejam elas quais forem. Desta forma, repudiamos, veementemente, atitudes de intolerância e descriminação religiosa de qualquer natureza, mais ainda quando se trata de um ente público que deveria garantir a laicidade preconizada na Carta Magna de 1988!”.
O que a Prefeitura disse?
Questionada, a prefeitura de São Roque disse que “rechaça toda e qualquer forma de intolerância religiosa, ato que viola os direitos humanos fundamentais, incluindo a liberdade religiosa e de crença, protegidos por leis nacionais e tratados internacionais. A acusação de que a administração municipal promoveria tal ato não é verdadeira, já que atos de intolerância vão contra as convicções praticadas por esta gestão, de que todos devem ter o direito de seguir sua fé sem serem alvos de discriminação ou hostilidade.
Há que se dizer, entretanto, que embora garantida a liberdade de crença, é também vedado ao Estado o ato de subvencionar cultos ou religiões de qualquer natureza. Deste modo, a solicitação apresentada de se realizar um evento declaradamente religioso no cemitério municipal traz consigo uma série de impedimentos, tanto de ordem constitucional, como também diante das características únicas deste local sensível, onde estão sepultadas pessoas das mais diversas ordens e crenças.
Com relação aos eventos apoiados pela prefeitura. A administração ressalta que as ações apoiadas pela administração como acompanhamento de agentes de segurança, transito e saúde, bem como o apoio a produções culturais, são eventos de caráter social que ocorrem em espaços convencionais de circulação de pessoas, como ruas e praças. Entre os exemplos está a Marcha da Paz, que promoveu a união entre as pessoas, inclusive de crenças distintas, e as Festas de agosto, que celebraram o aniversário cívico da cidade.
A administração municipal reforça seu comprometimento para com a população, sendo terminantemente contrária a atos de intolerância religiosa, que prejudicam as relações pessoais, geram desconfiança e hostilidade entre as pessoas, situação jamais desejada por uma gestão que busca encontrar espaço comum. Pelo contrário, seguimos promovendo a construção de um ambiente de cooperação e entendimento, princípios estes que pautam a Administração desta Prefeitura de São Roque”.
Editor-chefe do Correio do Interior desde 2016. Cursou jornalismo na faculdade ESACM Sorocaba. Atuou na RedeTV na produção do telejornal RedeTV News, Jornal SP Agora, O Democrata, ITV, Band e Torcedores.com MTB: 0082709/SP.
Também é correspondente do Jornal Metrópoles em SP.
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